Um pouco do que é o Camaleão...
Há um camaleão no sul da Península Ibérica. É
único na Europa. Em Portugal ninguém os pode prender. Por isso, muitos vivem
em liberdade nos jardins. Na estrada, nunca se sabe, cuidado: não vale
atropelá-los.
Acabei
por descobrir um camaleão no jardim de um meu amigo algarvio. Observando-o
dois dias seguidos, vi que ele nas horas mais quentes do dia estava sempre
na mesma posição, à caça de insectos. Mas era difícil fotografá-lo ali.
E precisava de o fazer. Assim, com todo o
cuidado escolhi um bom ramo de pinheiro ali ao lado, onde o poderia ver de
muitos ângulos.
Mordeu-me!
Ainda bem que são
desdentados.
Doendo-me o coração por ter que lhe pegar,
descuidei-me e o meu dedo, ao lado da sua boca, foi abocanhado. Senti-lhe os
bordos dos maxilares a reclamarem a injustiça. Tentava castigar-me, a mim,
autêntico malandrim. Retomado o percurso, na sua lentidão, este réptil
estava aflito, acelerando tanto quanto conseguia. Procurava atingir, no seu
caminho de fuga em câmara-lenta, o outro lado das folhas, no intuito de se
ocultar.
Depois, serviço feito, com rapidez e empenho,
peguei nele de novo para o recolocar no seu território. Estava na dúvida se
o susto lhe permitiria reconhecer o seu espaço habitual, ou se o teria
assustado tanto a ponto de desaparecer. Mas no dia seguinte, senti um grande
alívio: lá estava ele à caça de insectos, no mesmo ramo e posição, daquela
planta trepadeira a vestir o longo muro. Fiquei satisfeito com isso.
Entretanto, vim a saber que ali perto uma
vizinha se habituara a ver no seu pequeno jardim, sem muros, um grupo de
camaleões. Trata-se da D. Lizete, camponesa culta com sotaque algarvio, fala
como se cantasse. Sabendo que queria fotografá-los, pergunta com a convicção
da sua experiência: «Querem ver camaleões? Esses bichinhos andam ali no meu
jardim. Não lhes faço mal nenhum. A semana passada vi um assim pequenininho
(mede o comprimento de metade do seu indicador - 5 cm). Até chamei os meus
netos para lhes mostrar.» Indagada sobre como seria a reprodução destes
camaleões, responde: «Eles metem-se em buraquitos no chão e depois, na
Primavera, saem eles com os pequeninos. Eles é como as lagartixas: no Outono
põem os ovos, escondem-se e depois aparecem com eles».
Hibernar é preciso
Todos os anos, com a queda das folhas das árvores, em Novembro os camaleões
começam a desaparecer. O Outono instala-se, as temperaturas diminuem. Agora
reduz-se a quantidade de insectos, antes abundantes, que lhe permitiu uma
importante engorda. Animal dependente da temperatura ambiente, sente que é
altura de procurar um abrigo, onde se protegerá do frio. Escava no solo
arenoso uma toca e enterra-se, junto de alguma raiz mais grossa. Entra em
letargia. O seu metabolismo torna-se lento e mais lento ainda. Dorme o longo
sono de Inverno. Jejuam durante esta época. Basta esperar que nenhum
sobressalto (uma obra, por exemplo) o incomode e obrigue a sair — talvez lhe
fosse fatal. Há autores a
defender
que se os camaleões não hibernassem sentir-se-iam como um homem a quem
continuamente não deixassem dormir.
Em Março, à luz da Primavera, estes répteis começam a aparecer. Mas não é
fácil encontrá-los. Quando se avista um, nota-se o seu corpo, de lado, mais
espalmado. Estão magros, precisam de começar a comer bem para recuperar
energias.
Medindo os maiores uns vinte e poucos centímetros, quase se tornam
invisíveis ao conjugarem a sua incrível capacidade de mudar de cor e os
movimentos vagarosos com que se deslocam. O próprio desenho arredondado do
corpo, sobreposto às folhas, confunde-o com a ramagem. Aquecem o corpo ao
sol, de preferência junto de algo que atraia insectos, como uma flor cheia
de pólen, acelerando os seus reflexos de predadores sobredotados.
De locomoção lenta, os camaleões são fulminantes quando disparam a língua
predando insectos, o seu alimento.
Cinco mãos
Conta-se-lhes 5 dedos em cada pata. Num ramo,
três deles apertam um lado e os outros dois o outro, como tenazes. Além das
quatro patas, a cauda preênsil pode contar como mais uma.
Mas a sua característica mais admirável é a capacidade para variar de cor.
Este fenómeno notável é função da temperatura ambiente, do local em que se
encontram e até do seu estado de ânimo. Essa tecnologia deve o seu êxito a
grupos de células cutâneas admiráveis: os cromatóforos. A pele dos camaleões
é composta por uma série de camadas com pigmentos diversos. Alguns
investigadores colocam a hipótese de a melanina, a mesam substância que
provoca o bronzeado da praia no homem, estar presente nas camadas mais
profundas da pele deste réptil, sendo responsável pelo castanho-escuro que
às vezes ostentam. Muito ramificadas, sem dificuldade irradiam o pigmento
escuro, que ascende a camadas superiores da pele.
O camaleão não só altera a cor do corpo como
também muda de pele. Isso ocorre como forma de resolver a necessidade de
crescimento.
Predador invisível
Em pleno habitat, só um observador atento
poderá detectá-los, reparando que os seus olhos se movem muito atentos,
sondando o espaço próximo, com o característico estereoscopismo: cada olho
move-se em sentidos diferentes, cobrindo toda a área em redor, com precisão.
Uma grande vantagem, pois, sem se mexerem, vital para a sua sobrevivência,
detectam à distância o predador que se aproxima. Quando caçam, localizam com
rapidez a presa. Pálpebras cónicas promovem-lhe a visão em ângulos de 180
graus. Uma perfeita coordenação da vista e da língua são-lhe vitais.
No momento certo, quando uma mosca se aproxima
e pousa ao seu alcance, fixa nela a atenção. Aferindo a distância exacta até
à presa, balanceia suavemente a cabeça. Observada a distância até ao
insecto, dispara a língua preênsil, extremamente rápida, às vezes
esticando-se até distância igual ao comprimento do seu corpo, agarrando o
insecto, que depois recolhe na boca e se esforça por engolir.
Se o insecto é grande, tem que o mastigar no
seu ritmo lento. Não tem dentes. Eu de facto não os senti no meu dedo! Mas
nem por isso deixam de ser vorazes.
Maternidade obriga
Em Agosto, no pino do calor, bem alimentados,
os machos enfrentam-se. Com um comportamento territorial evidente, nas
árvores, fremem, empurram os rivais e impõem-se na área que querem dominar.
Raramente chegam a abocanhar-se. A sua guerra baseia-se em representar a
agressividade, sem concretização: a espécie já tem problemas que cheguem. É
o auge do período reprodutivo.
À primeira vista, não é fácil distinguir
machos de fêmeas. Na região do crânio há uma dilatação em forma de elmo.
Este apresenta uma quilha curvilínea que nas fêmeas é mais curta e mais
baixa.
Não há sacrifício maternal mais esforçado do
que o da fêmea do camaleão. Ovíparas, consta sobreviverem poucas após os 9 a
30 ovos que depositam num buraco do solo arenoso onde se enraizam os
arbustos (como o Lygos monosperma) em que habitam. A gestação exige-lhes
esse tributo. Estamos em Outubro. A eclosão dos ovos dá-se pela Primavera.
Um só continente?
O Chamaeleo chamaeleon habitaria a Pangea, o
continente uno que existiu há milhões de anos neste planeta? A resposta não
é pacífica. A sustentá-la acorre pelo menos um facto importante: a
existência de vestígios fósseis do Holocénico de Málaga (Talavera & Sanchiz,
1983), se não desta espécie, de alguma ascendente. Registada em alguns
locais da Andaluzia, Lineu citou-os (Lacerta chamaeleon l., 1758). Quando o
norte de África não se separava do sul da Península Ibérica pelo mar, já
nessa altura a anatomia deste camaleão poderia ser próxima da de hoje. E
porque assim bem adaptado ao meio ambiente, quando o mar se interpôs (há
cerca de 5 milhões de anos), esta espécie de camaleão, ficando de ambos os
lados, manteve características idênticas. De pouco lhe pesou o arrefecimento
do continente europeu. Note-se que o camaleão resiste apenas no extremo sul
ibérico, aguentando-se com o clima e vegetação mediterrânico.
A poucas dezenas de quilómetros, já em
Espanha, situa-se o Parque Natural de Doñana, onde a ocorrência do camaleão
não é assinalada, e no Algarve a ocorrência do camaleão não abrange todo o
território. Por isso, outros autores defendem que a introdução do camaleão
na Península surgiu através de migrações de trabalhadores entre o Sul
peninsular e o Norte de África. Teria vindo na bagagem como animal de
estimação eliminador de insectos, a exemplo do que faziam os árabes no
século passado. Ter-se-iam escapado alguns exemplares e resistido no habitat
mediterrânico.
O resultado de algumas pesquisas parece
indicar que a espécie é mais abundante em locais próximos do homem. Talvez
porque os hábitos deste propiciem maior proliferação de insectos.
Ameaças
Os seus predadores são aves como as garças ou
os corvídeos, as serpentes e sobretudo o homem. Este destrói-lhes o habitat,
atropela-o nas estradas muitas vezes só porque não quer parar e captura-o,
numa cupidez destrutiva. É um animal que desperta simpatia, mas que não vive
mais do que um mês em cativeiro. Se despertasse aversão como as cobras
talvez o seu porvir fosse mais fácil. As exigências em vitaminas, o stress a
que é sujeito quando lhe pegam originando outras doenças, a temperatura, as
insuficiências alimentares acrescidas da clausura, tudo isso contribui para
uma morte lenta em cativeiro.
Nesse aspecto, se eles em Portugal procuram um
jardim algarvio com algumas condições, para quê aprisioná-los se, além de
ser proibido (consta do Anexo II da Convenção de Berna), são inofensivos e
benfazejos?
Camaleão