Camaleão

06/11/03

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Um pouco do que é o Camaleão...

Há um camaleão no sul da Península Ibérica. É único na Europa. Em Portugal ninguém os pode prender. Por isso, muitos vivem em liberdade nos jardins. Na estrada, nunca se sabe, cuidado: não vale atropelá-los.

 Acabei por descobrir um camaleão no jardim de um meu amigo algarvio. Observando-o dois dias seguidos, vi que ele nas horas mais quentes do dia estava sempre na mesma posição, à caça de insectos. Mas era difícil fotografá-lo ali.

E precisava de o fazer. Assim, com todo o cuidado escolhi um bom ramo de pinheiro ali ao lado, onde o poderia ver de muitos ângulos.

                                                                                        Mordeu-me!

 

Ainda bem que são desdentados.

Doendo-me o coração por ter que lhe pegar, descuidei-me e o meu dedo, ao lado da sua boca, foi abocanhado. Senti-lhe os bordos dos maxilares a reclamarem a injustiça. Tentava castigar-me, a mim, autêntico malandrim. Retomado o percurso, na sua lentidão, este réptil estava aflito, acelerando tanto quanto conseguia. Procurava atingir, no seu caminho de fuga em câmara-lenta, o outro lado das folhas, no intuito de se ocultar.

Depois, serviço feito, com rapidez e empenho, peguei nele de novo para o recolocar no seu território. Estava na dúvida se o susto lhe permitiria reconhecer o seu espaço habitual, ou se o teria assustado tanto a ponto de desaparecer. Mas no dia seguinte, senti um grande alívio: lá estava ele à caça de insectos, no mesmo ramo e posição, daquela planta trepadeira a vestir o longo muro. Fiquei satisfeito com isso.

Entretanto, vim a saber que ali perto uma vizinha se habituara a ver no seu pequeno jardim, sem muros, um grupo de camaleões. Trata-se da D. Lizete, camponesa culta com sotaque algarvio, fala como se cantasse. Sabendo que queria fotografá-los, pergunta com a convicção da sua experiência: «Querem ver camaleões? Esses bichinhos andam ali no meu jardim. Não lhes faço mal nenhum. A semana passada vi um assim pequenininho (mede o comprimento de metade do seu indicador - 5 cm). Até chamei os meus netos para lhes mostrar.» Indagada sobre como seria a reprodução destes camaleões, responde: «Eles metem-se em buraquitos no chão e depois, na Primavera, saem eles com os pequeninos. Eles é como as lagartixas: no Outono põem os ovos, escondem-se e depois aparecem com eles».

                              

Hibernar é preciso

Todos os anos, com a queda das folhas das árvores, em Novembro os camaleões começam a desaparecer. O Outono instala-se, as temperaturas diminuem. Agora reduz-se a quantidade de insectos, antes abundantes, que lhe permitiu uma importante engorda. Animal dependente da temperatura ambiente, sente que é altura de procurar um abrigo, onde se protegerá do frio. Escava no solo arenoso uma toca e enterra-se, junto de alguma raiz mais grossa. Entra em letargia. O seu metabolismo torna-se lento e mais lento ainda. Dorme o longo sono de Inverno. Jejuam durante esta época. Basta esperar que nenhum sobressalto (uma obra, por exemplo) o incomode e obrigue a sair — talvez lhe fosse fatal. Há autores a defender que se os camaleões não hibernassem sentir-se-iam como um homem a quem continuamente não deixassem dormir.

Em Março, à luz da Primavera, estes répteis começam a aparecer. Mas não é fácil encontrá-los. Quando se avista um, nota-se o seu corpo, de lado, mais espalmado. Estão magros, precisam de começar a comer bem para recuperar energias.

Medindo os maiores uns vinte e poucos centímetros, quase se tornam invisíveis ao conjugarem a sua incrível capacidade de mudar de cor e os movimentos vagarosos com que se deslocam. O próprio desenho arredondado do corpo, sobreposto às folhas, confunde-o com a ramagem. Aquecem o corpo ao sol, de preferência junto de algo que atraia insectos, como uma flor cheia de pólen, acelerando os seus reflexos de predadores sobredotados.

De locomoção lenta, os camaleões são fulminantes quando disparam a língua predando insectos, o seu alimento.

Cinco mãos

Conta-se-lhes 5 dedos em cada pata. Num ramo, três deles apertam um lado e os outros dois o outro, como tenazes. Além das quatro patas, a cauda preênsil pode contar como mais uma.
Mas a sua característica mais admirável é a capacidade para variar de cor. Este fenómeno notável é função da temperatura ambiente, do local em que se encontram e até do seu estado de ânimo. Essa tecnologia deve o seu êxito a grupos de células cutâneas admiráveis: os cromatóforos. A pele dos camaleões é composta por uma série de camadas com pigmentos diversos. Alguns investigadores colocam a hipótese de a melanina, a mesam substância que provoca o bronzeado da praia no homem, estar presente nas camadas mais profundas da pele deste réptil, sendo responsável pelo castanho-escuro que às vezes ostentam. Muito ramificadas, sem dificuldade irradiam o pigmento escuro, que ascende a camadas superiores da pele.

O camaleão não só altera a cor do corpo como também muda de pele. Isso ocorre como forma de resolver a necessidade de crescimento.

Predador invisível

Em pleno habitat, só um observador atento poderá detectá-los, reparando que os seus olhos se movem muito atentos, sondando o espaço próximo, com o característico estereoscopismo: cada olho move-se em sentidos diferentes, cobrindo toda a área em redor, com precisão. Uma grande vantagem, pois, sem se mexerem, vital para a sua sobrevivência, detectam à distância o predador que se aproxima. Quando caçam, localizam com rapidez a presa. Pálpebras cónicas promovem-lhe a visão em ângulos de 180 graus. Uma perfeita coordenação da vista e da língua são-lhe vitais.

No momento certo, quando uma mosca se aproxima e pousa ao seu alcance, fixa nela a atenção. Aferindo a distância exacta até à presa, balanceia suavemente a cabeça. Observada a distância até ao insecto, dispara a língua preênsil, extremamente rápida, às vezes esticando-se até distância igual ao comprimento do seu corpo, agarrando o insecto, que depois recolhe na boca e se esforça por engolir.

Se o insecto é grande, tem que o mastigar no seu ritmo lento. Não tem dentes. Eu de facto não os senti no meu dedo! Mas nem por isso deixam de ser vorazes.

Maternidade obriga

Em Agosto, no pino do calor, bem alimentados, os machos enfrentam-se. Com um comportamento territorial evidente, nas árvores, fremem, empurram os rivais e impõem-se na área que querem dominar. Raramente chegam a abocanhar-se. A sua guerra baseia-se em representar a agressividade, sem concretização: a espécie já tem problemas que cheguem. É o auge do período reprodutivo.

À primeira vista, não é fácil distinguir machos de fêmeas. Na região do crânio há uma dilatação em forma de elmo. Este apresenta uma quilha curvilínea que nas fêmeas é mais curta e mais baixa.

Não há sacrifício maternal mais esforçado do que o da fêmea do camaleão. Ovíparas, consta sobreviverem poucas após os 9 a 30 ovos que depositam num buraco do solo arenoso onde se enraizam os arbustos (como o Lygos monosperma) em que habitam. A gestação exige-lhes esse tributo. Estamos em Outubro. A eclosão dos ovos dá-se pela Primavera.

Um só continente?

O Chamaeleo chamaeleon habitaria a Pangea, o continente uno que existiu há milhões de anos neste planeta? A resposta não é pacífica. A sustentá-la acorre pelo menos um facto importante: a existência de vestígios fósseis do Holocénico de Málaga (Talavera & Sanchiz, 1983), se não desta espécie, de alguma ascendente. Registada em alguns locais da Andaluzia, Lineu citou-os (Lacerta chamaeleon l., 1758). Quando o norte de África não se separava do sul da Península Ibérica pelo mar, já nessa altura a anatomia deste camaleão poderia ser próxima da de hoje. E porque assim bem adaptado ao meio ambiente, quando o mar se interpôs (há cerca de 5 milhões de anos), esta espécie de camaleão, ficando de ambos os lados, manteve características idênticas. De pouco lhe pesou o arrefecimento do continente europeu. Note-se que o camaleão resiste apenas no extremo sul ibérico, aguentando-se com o clima e vegetação mediterrânico.

A poucas dezenas de quilómetros, já em Espanha, situa-se o Parque Natural de Doñana, onde a ocorrência do camaleão não é assinalada, e no Algarve a ocorrência do camaleão não abrange todo o território. Por isso, outros autores defendem que a introdução do camaleão na Península surgiu através de migrações de trabalhadores entre o Sul peninsular e o Norte de África. Teria vindo na bagagem como animal de estimação eliminador de insectos, a exemplo do que faziam os árabes no século passado. Ter-se-iam escapado alguns exemplares e resistido no habitat mediterrânico.

O resultado de algumas pesquisas parece indicar que a espécie é mais abundante em locais próximos do homem. Talvez porque os hábitos deste propiciem maior proliferação de insectos.

Ameaças

Os seus predadores são aves como as garças ou os corvídeos, as serpentes e sobretudo o homem. Este destrói-lhes o habitat, atropela-o nas estradas muitas vezes só porque não quer parar e captura-o, numa cupidez destrutiva. É um animal que desperta simpatia, mas que não vive mais do que um mês em cativeiro. Se despertasse aversão como as cobras talvez o seu porvir fosse mais fácil. As exigências em vitaminas, o stress a que é sujeito quando lhe pegam originando outras doenças, a temperatura, as insuficiências alimentares acrescidas da clausura, tudo isso contribui para uma morte lenta em cativeiro.

Nesse aspecto, se eles em Portugal procuram um jardim algarvio com algumas condições, para quê aprisioná-los se, além de ser proibido (consta do Anexo II da Convenção de Berna), são inofensivos e benfazejos?

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Este site foi actualizado pelo última vez em 03/11/03